terça-feira, novembro 16, 2010

Desventuras balzaquianas no mundo do casamento

Definitivamente Donna Maria Pagu Celestina Jones não gostava de ir em casamentos. Para ela eles lhe eram uma tortura. Dos infortúnios do cabelereiro e da depilação ao tédio do pastor falando.

Seu primeiro infortúnio era o tal do vestido de festa. Ao caminhar no shopping para compreender melhor do que se tratava o vestido de festa nesta temporada de casórios, confirmou sua tese de que não havia muitos vestidos de festas tamanho T- rex. Coitadinha da Donna maria pagu celestina Jones, mais uma célebre brasileira fora dos padrões estético da indústria da moda tendo que ser infeliz por não achar um vestido a altura de suas curvas.
Após alguns dias hesitando a procura de seu vestido, sentou-se para comer algo e teve o triste e inusitado pensamento sobre o vestido, achou melhor tomar apenas um suco de frutas sem açúcar, era a única coisa que faria pela indústria da moda a sete dias do casório. Obviamente todo ser humano passa a refletir sobre sua própria condição em meio ao caos e quando o estômago dói de fome as reflexões passam a ser mais intensas e aquele momento de auto anulação era um prato cheio para o cérebro de donna maria.
Ali em meio a uma multidão de transeuntes alienados - ou não, ela refletiu sobre os infortúnios do casamento e suas supostas privações. Bem elas começavam na ideia de que tudo deveria ser perfeito, mas como se todo mundo que vai ao casamento é imperfeito? Os noivos são imperfeitos, o mundo é imperfeito [ AHHHHHHH, calma ai né donna maria, também não é assim, essa perfeição é absolutamente dentro dos parâmetros da imperfeição, dãrrrrrrr].
Ok, compreendida essa máxima, continuou sua tese desnecessária, afinal seu estômago era preenchido por comida saudável .Sendo assim continuou determinada a entender e pensou que nove em cada dez noivas emagrecem para ficarem mais bonitas nas fotos do enlace matrimonial, portanto se privavam de comidinhas gostosinhas, e começavam a malhar e tornear seus músculos para o grande dia. Donna Maria pensou: “ mas o amor não é aceitação? O amor não está baseado em coisas do espírito que são abençoadas por Deus e tralalalá? O amor não era pra ser algo além dessas coisas movidas pela indústria da auto imagem e talz?

_ WTF ????? Mas que porra é essa? Donna Maria exclamou consigo mesma.

Bem, a cada sugada tentava esquecer o que acabou de pensar, mas era inevitável visto que aquele suco de goiaba com morango não acabava nunca. Oras bolas, estava uma delícia também. Mas isso não importava seus pensamentos ainda continuavam, só que dessa vez indagou sobre coisas da vida de casado e começou a indagar sobre o casamento em si e o comparou ao suco de beterraba com hortaliças que uma dupla de naturebas havia comprado e tomava a mesa ao lado da sua. Eles chegaram até empolgados com o suco acreditando que aquilo faria um bem precioso ao seu organismo, mas no meio do copo haviam parado de tomar. Não descia mais. Dou meus dedinhos mindinhos tortos como a dupla dali correu ao Subway para arriscar um lanchinho light.
O casamento era assim, como aquele suco. Acredita-se que vai fazer um bem danado mas no final das contas é difícil de se engolir.
_”cala boca Donna Maria, ta parecendo uma divorciada mal amada”. Exclamou seu lado católico – crente preciso sentir culpa.

_ “ epa!!! Divorciada sim, mal amada não! Sou apenas um ser pensante e com fome” respondeu seu lado rock and roll.

Bem, o suco estava quase acabando e começou a tocar uma música interessante, em alguma parte da música dizia assim “ temos sorte porque podemos voltar pra casa e encontrar nosso amor”.
Aquela frase foi como uma adaga árabe naquele coração católico-crente preciso sentir culpa. Para Donna Maria as coisas começavam a fazer sentido e ao som de vozes angelicais ela pensou:
_ já sei, as pessoas se casam porque no auge do amor, quando sentem muita falta um do outro e querem construir uma vida juntos eles precisam se auto- destruir de alguma forma. É isso.

Continuou,

Sim , sim, agora está óbvio. Karl Marx tinha razão quando disse que todo sistema tem o germe de sua própria destruição, “taí” o casamento explica tudo isso. Veja bem, primeiro as pessoas se atraem. Fisicamente ou intelectualmente, sentem uma química forte entre eles. Ai fazem de tudo para se auto conquistarem, coisa que vai desde gastar o que não tem à assistir filmes desnecessários juntos. Acham um ao outro incrível. Namoram e começam a modelar o outro. Essa camisa de força chamada namoro é o início. Ciúmes virou sinônimo de amor eterno. Anulação virou aceitação. Que puxa. Então resolvem que precisam selar a loucura e se casam.
A mulher passa a ter três jornadas: o trabalho fora de casa, a de doméstica no “lar” e a de “esposa” na cama. Enquanto o maridão torna-se algo bem perto do que é um cafetão. Gentil no começo e amargo no final fazendo promessas e determinando sua função no processo.
Mas em meio a tanto infortúnio, acabou o suco. Acabou o suco. É, acabou o suco! Não havia ninguém ali para falar. Para ouvir. Para rir. E outro pensamento lhe veio a cabeça “ algumas pessoas se sujeitam a uma vida a dois para compartilhar a vida”. Outras até se sujeitam a 3 ou 4 jornadas de trabalho só para dormirem de conchinha todos os dias. E quantos casamentos estão baseados em amor e paixão?
Não importa quem você seja, o que você pense ou para onde você vai, um dia você precisa de alguém para fazer a caminhada juntos. O vídeo ai embaixo diz muito mais do que Donna Maria vai conseguir expressar.
vale a pena ouvir.

                           

domingo, novembro 07, 2010

papai e mamãe, obrigado por me matarem.

Quando eu nasci, eu ainda não sabia de nada sobre nada especialmente sobre mim mesma. Meus pais sabiam o que a vida lhes ensinara por 35 anos, mas eles não sabiam nada sobre mim. Eu deveria ser mais um bebê gordinho, careca, chorão e cagão. Eu era indefesa e vulnerável a tudo e a todos. Eu era só um bebê que não foi interrompido. A priori, eu nasci para trazer alegria para um lar.
O bebê cresceu. Ele fala, continua gordinho, tem cabelos e intestino preso. Sabe alguma coisa sobre si mesma, sua vulnerabilidade ainda existe mas aprendeu a se defender. Seus pais continuam não sabendo nada sobre ela.
O dia que eu comecei a morrer foi o dia que comecei a crescer e conhecer a vida através de meus pais. Eles me ensinaram com muito amor e carinho que a desobediência deveria ser punida com xingos e surra. Também me ensinaram que era muito mais importante manter a casa limpa, as roupas limpas e a boca limpa do que manter uma imagem de liberdade. Porque os vizinhos e a comunidade protestante deveriam dar nota 10 para uma progenitora e um progenitor que sabe manter rigidamente a casa limpa, as roupas limpas e a boca de seus bebês limpa.
Meus dias começaram a ter menos esperança ainda quando entrei na escola e as diferenças começaram a brilhar diante dos meus olhos. Sabe quando a professora te chama de burra porque você não entendeu um problema matemático e tudo que ouve de seus pais quando em pânico pede ajuda (não sabe ainda ao certo porque matemática é tão tragicamente importante) e tudo que ouve é “estude mais!” ?
A escola é um lugar muito interessante para começar a entender a vida e o valor da família. É lá que começam a apontar características suas e de sua personalidade e ai de uma forma bem agradável sua família a transforma em defeitos. Afinal se você é gordo é porque realmente come demais, se sua mochila não é da marca mais usada é porque realmente não é boa o suficiente para usá-la afinal nunca têm dinheiro mesmo. Se seu cabelo é feio aceite, suas tias 40 anos mais velhas que você nunca usaram shampoo e nunca reclamaram. Se não tem nenhum talento para demonstrar na escola logo sua família a aconselha deixa pra lá, afinal talento é coisa dos outros. Sensacional!
A adolescência é o auge do caos especialmente se seu pai por algum motivo ou outro tornou-se alcoólatra e resolveu que tem 18 anos novamente saindo com todas as mulheres que você jamais quis saber. AH! A experiência torna-se mais agradável ainda quando sua mãe deprimida a culpa por ter nascido ( ??????), afinal se você – aquele lindo bebê fofuxo – não tivesse nascido ela não teria que carregar o sacrifício de continuar casada com o seu progenitor exclusivamente por dinheiro e continuar lhe proporcionando uma vida legal pra caramba sob grades demonstrações de humilhação, alcoolismo e estupidez. AH, mas nada disso é tão importante como manter a casa limpa, as roupas limpas e a boca limpa. Afinal o que a comuna protestante pode dizer sobre isso?
A vida torna-se breve quando sua querida mamãe (o alvo de todos os seus cartões de “feliz dias das mães” feito na escola, sabonetes enfeitados, desenhos coloridos e sachês de sabonete gessy) também é sua costureira. Fantástica a forma com que ela deprecia seu corpo roliço e sem cintura, como ela a culpa de querer ser feliz comendo.

“gostaria de entender porque os progenitores te entopem de comida quando você não pode se defender e dizer não, e quando você cresce e quer comer dois ou três pães e comer seis pedaços de pizza você é um guloso? Primeiro te chamam de fofinha e uma belezinha porque você é gordinha, depois subitamente você é uma gorda sem forma que jamais vai achar alguém que te ame porque você é gorda, alguém pode me explicar isso?”


É na adolescência também, que seus órgãos vão se desfalecendo. Você descobre que as pessoas que dizem se preocupar com você são as que mais apunhalam a alma. Dizem o que você pode, o que você não pode ser. O que é apropriado e o que é inapropriado. Entre tudo o que você não deve fazer ou ser,porque é demasiadamente humano e ser humano é pecado, encontram-se castrar seu cérebro, sua boca, suas perspectivas, seus sonhos, seus amores, seus prazeres suas reflexões. A única coisa apropriada a se fazer é manter a casa limpa, a roupa limpa e a boca limpa.
Você chega aos 20 e poucos. Se casa. Inacreditavelmente seus pais, com seu consentimento, te entregam a alguém. Isso é considerado normal. E você não é exatamente o que todos esperam de você. Você tenta se manter viva. Entra em coma, sai do coma, entre em coma novamente. Sobrevive graças aos aparelhos e lá no final do túnel entre aquela luz chamando seu nome e a enfermeira te entubando novamente você pensa se aquele é um dia perfeito para morrer. Você não é o que seus progenitores queriam que você fosse. Você não é o que a mídia te ensinou que é bonito ser. Você não tem nem a boca limpa e nem a roupa limpa o suficiente para o que a comuna protestante ensinou você a ser. Então você perdidamente se culpa porque por um milagre ou não, você não se sente culpada mas você persiste em se sentir culpada por não ser culpada. Entende? Você está em coma. Induzido por você mesma.
Você chega milagrosamente aos 30. Sua respiração é fraca. Está cansada. Você tenta se esquentar roubando algum raio do sol, mas tudo que consegue é sentir frio. Talvez você seja feliz, mas seus progenitores não podem perceber que é feliz. Eles não são, então você também não pode ser. Entre um coma e outro, você chora sozinha, nas madrugadas. Você está sozinha. Você continua sozinha. E tudo que quer é sentir o seu pulso bater. Mas tudo que seus progenitores querem de você é que você mantenha a casa limpa, a roupa limpa e a boca limpa.
Você está ali, cheia de aparelhos te ajudando a respirar e manter seu coração batendo e tudo que te pedem é para manter a casa limpa, a roupa limpa e sua boca também.

Você tenta que enxerguem você,que te ouçam, então você grita dizendo “Hey papai, mamãe por favor olhem aqui, eu ainda estou respirando....”

É tarde demais,
Seus progenitores brigam com você porque você não mantém a casa limpa, as roupas limpas e a boca limpa.

Em seu funeral, todos choram. Algumas pessoas falam sobre a morta. Outros sobre carros. Outros falam sobre o tempo. Os mais chegados tentam entender como tudo aconteceu. Seus progenitores tentam entender como vão lidar com a dor da perda.

Á sete palmos, você sorri. É um dia perfeito. Para recomeçar.